Novembro na história do TRF4
Entre janeiro e o início de novembro deste ano, 511 processos relacionados a vícios de construção tramitaram no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). A maioria dessas ações, que são julgadas em segundo grau pelas 3ª e 4ª Turmas, que integram a 2ª Seção do TRF4, é movida por pessoas que adquiriram imóveis populares a partir de programas de financiamento habitacional do governo federal, como o Minha Casa, Minha Vida, e seus imóveis apresentaram problemas estruturais. Do total, 235 processos foram julgados em primeira instância no Rio Grande do Sul (91 na Subseção Judiciária de Ijuí e 83 na de Porto Alegre, que juntas representam 34% do montante no Tribunal); 206 no Paraná (95 processos na Subseção de Guarapuava, o que equivale a 18%); e 69 em Santa Catarina (sendo 39, ou 7%, na de Chapecó).
Segundo o desembargador federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, relator de parte dos recursos relacionados ao assunto, as dificuldades enfrentadas pelas famílias são as mais variadas, conforme o empreendimento e a região onde ele está situado. São ações complexas, que exigem elaboração de prova técnica com realização de perícia e instrução probatória.
“Encontramos situações em que discordâncias entre a construtora e o agente financeiro acabam resultando na insolvência da empresa, que abandona o empreendimento e não tem condições de terminá-lo, obrigando então que a Caixa Econômica Federal retome a obra e contrate uma nova construtora para prosseguir e cumprir o que foi contratado”, relata. De acordo com Leal Júnior, em outras situações, a obra pode ter sido construída com materiais de menor qualidade, “que se deterioram muito rapidamente e negam ao mutuário o que ele havia comprado: uma casa própria que pudesse garantir solidez e segurança para sua família, e esse conflito acaba sendo trazido para ser resolvido nas varas e no Tribunal”.
Jurisprudência
Em virtude da quantidade significativa de situações semelhantes, em que pessoas ajuizaram ações pedindo o pagamento de indenizações por danos materiais e morais, em junho deste ano, a Turma Regional de Uniformização (TRU) dos Juizados Especiais Federais (JEFs) da 4ª Região pacificou o entendimento de que “o dano moral decorrente do abalo gerado pela impossibilidade de usufruir plenamente do imóvel adquirido para moradia é conhecido pela experiência comum e considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato”.
Muitos casos são graves, como o de um funileiro de Mandaguari (PR) que comprou um imóvel pelo Minha Casa, Minha Vida que acabou interditado pela Defesa Civil após fortes chuvas ocorridas em janeiro de 2016. Ele solicitou a cobertura securitária à Caixa Econômica Federal, o que foi negado pelo banco sob a justificativa de que os danos se deram por conta de vícios de construção, e não da inundação. O homem ingressou com ação na Justiça Federal e, em setembro de 2019, a 4ª Turma da Corte determinou que a Caixa reconstruísse a moradia, além de obrigar a instituição financeira ao pagamento de danos morais e materiais.
Importância do Judiciário na resolução de conflitos
O desembargador Leal Júnior relata que, historicamente, a Justiça Federal sempre foi o palco para resolver conflitos envolvendo mutuários e o Sistema Financeiro da Habitação. “Desde a época em que se julgavam as ações do extinto BNH (Banco Nacional da Habitação), passando pelas ações envolvendo o Plano de Equivalência Salarial (PES), os mutuários procuravam as varas da Justiça Federal para resolver e mediar esses conflitos que envolviam a aquisição da casa própria”, comenta. Naquela época, segundo ele, as demandas envolviam disputas sobre os valores de juros e correção monetária das prestações dos financiamentos.
“Infelizmente, os mutuários passaram a ter que discutir questões envolvendo vícios de construção, segurança e solidez das obras, além de prazos de execução dos empreendimentos e entrega das moradias que foram adquiridas por intermédio de programas de habitação popular do Governo Federal”, analisa.
O desembargador destaca a importância do trabalho realizado por advogados e associações de moradores dos empreendimentos com problemas, a partir do ajuizamento tanto de ações individuais quanto de coletivas, “procurando que os contratos sejam cumpridos e que o sonho da casa própria não se transforme em pesadelo”.
ACS/TRF4 (acs@trf4.jus.br)